O Saber Interior e a Sabedoria Encarnada - Reflexão sobre o Capítulo 21 do Dao De Jing
- Raquel Silva
- 12 de abr.
- 4 min de leitura
O vigésimo primeiro capítulo do Dao De Jing o Velho mestre diz-nos:
A virtude suprema manifesta-se a partir do Dao.
O Dao parece vago e esquivo —
vago e esquivo, mas tem imagem,
vago e esquivo, mas tem substância.
Escuro e profundo, nele reside uma essência.
Essa essência é real,
e nela habita o núcleo verdadeiro das coisas.
Desde os tempos antigos até agora,
o seu nome não mudou.
É por meio dele que contemplamos
a origem de todos os seres.
Como sabemos que esta é a origem de tudo?
Pela sabedoria que habita em nós.
Entrever o invisível: sobre o saber interior e a sabedoria encarnada
Embora o Dao seja vago e esquivo, obscuro e sombrio, também tem forma e substância. Para além disso, contém uma força vital essencial, à qual podemos aceder através da nossa prática de auto-cultivo. A Virtude (De) é a manifestação da presença do Dao nas coisas. Como comenta António Campos:
(...) só inesperada e involuntariamente a podemos apreender, sob a forma de um sopro vital material, de que apenas podemos observar os efeitos.
É através dessa manifestação imanente do transcendente na realidade que podemos entrever intuitivamente o Dao.
Ser uma pessoa de De é ser uma pessoa sábia. Porque segue o Dao em todas as coisas, fica cheia da força vital (jing) do Dao. Sempre foi assim. Como é que sabemos que isto é verdade? Pelo conhecimento interior.
Solala Towler comenta que há um poder que vem do Dao. Este poder pode chegar a qualquer pessoa que siga o caminho. É um poder espiritual que confere qualidades como o conhecimento interior, a intuição, uma sensação de ligação à Fonte, a capacidade de tomar decisões com simplicidade e clareza, e a arte de viver de forma natural (pu). Quando experimentamos essa profunda ligação com o ilimitado, o mundo do limitado afrouxa o seu controlo sobre nós.
O taoismo adverte-nos contra a tentativa de compreender o que é ilimitado com aquilo que é limitado — a nossa mente. É apenas de forma involuntária, sem a intenção de o apreender — já que o Dao é vago e esquivo — que podemos entrever essa presença misteriosa que modela o mundo com uma destreza além da compreensão. Mas ainda assim, podemos senti-la e experimentá-la no nosso ser interior. O Dao não é apenas um princípio abstrato ou uma ideia; é uma presença viva, cuja experiência pode transformar a forma como vivemos: mais completa, mais orgânica.
Como é que podemos experimentar este “saber interior”?
Através da prática da quietude. Através de práticas energéticas. Através da aplicação da sabedoria dos povos ancestrais em todas as partes da nossa vida.
Como Laozi repete ao longo de todo o Dao De Jing, se olharmos para o Dao e para as práticas de cultivo taoistas apenas com a mente, com uma compreensão puramente intelectual, não chegaremos a lado nenhum. Em vez disso, precisamos de aplicar — em todos os aspetos da nossa vida — aquilo que aprendemos, aquilo que vemos, e aquilo que experimentamos na prática.
Muitas vezes confundimos compreender algo com ser capazes de o aplicar. Posso estudar como funciona um motor de combustão interna e saber explicar cada componente com precisão — mas isso não significa que consiga reparar o motor do meu carro. Do mesmo modo, podemos compreender conceitos espirituais de forma brilhante, mas isso não nos torna mais conscientes, mais centrados, mais vivos. Só quando o conhecimento desce da mente para o corpo — quando se traduz em gesto, em silêncio, em presença — é que começa a operar verdadeira transformação.
Na nossa cultura ocidental, este desafio é ainda maior. Fomos treinados, desde cedo, para procurar explicações lógicas, provas e racionalizações. O sistema educativo ensinou-nos a desconfiar do saber que nasce em nós, a calar a sabedoria interior em favor da autoridade exterior — os pais, os professores, os especialistas, os cientistas. Pessoalmente, talvez seja por isso que a sabedoria oriental me fascina tanto: ela propõe uma desconstrução constante desses modelos e convida-nos a resgatar algo que é primordial, selvagem e inato em cada ser humano.
Por isso, gosto de trazer estas reflexões para o corpo, para a matéria. Sair da abstração. Colocar em operação. Sempre que praticar, preste atenção enquanto o faz de uma nova forma, com a intenção de trazer essa vivência para toda a sua vida. Através deste aprofundamento, aprenderá a tomar decisões a partir de um lugar de profunda sabedoria. As suas emoções entrarão em equilíbrio e deixará de ser prisioneiro de estados emocionais em constante mudança. O seu pensamento tornar-se-á mais claro à medida que o seu coração-mente (xin) também se equilibra. Poderá tomar decisões sobre todas as facetas da sua vida a partir deste lugar de conhecimento profundo.
O que verdadeiramente existe não precisa senão de luz para aparecer. António Campos
(Pode assistir ao resumo desta publicação aqui!)
Bibliografia
Lao Tse (2010). Tao Te King - O livro do Caminho e do Bom Caminhar. Relógio D'Água Editores [Tradução e Comentários de António Miguel de Campos].
Towler, S. (2016). Practicing the Tao Te Ching - 81 Steps in the Way. Sounds True.
Texto revisto com OpenAI: ChatGPT [Software]. https://openai.com
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